Documento redigido e subscrito por:
Coletivo Ruptura
Em Defesa da Revolução
NEM FASCISMO NEM DEMOCRACIA BURGUESA,
TODO O PODER AO PROLETARIADO
Passados 51 anos do 25 de Abril de 1974, regressamos mais uma vez à sua evocação — celebrações institucionais, cravos nas lapelas e palavras de ordem gastas e vazias. Mas nós, comunistas, que queremos a revolução proletária e não apenas uma gestão remendada do capitalismo, não olhamos este momento com saudade ou idealização. Olhamos para a necessidade urgente da sua crítica e superação. Perguntamo-nos: O que foi realmente Abril? O que significou o PREC? E o que representa o 25 de Novembro?
O 25 de Abril foi um golpe militar da oficialagem portuguesa derrotada nas guerras coloniais, lançado com o objetivo, por vezes explícito por vezes encoberto, de transitar de uma ditadura fascista para uma democracia burguesa “sem convulsões internas que afetem a paz social, o progresso e o bem-estar da Nação[.]” Mas as massas já eram exploradas há décadas sob o fascismo e há séculos sob todas as formas da ditadura da burguesia. Depois do golpe, as ânsias de emancipação das massas frustraram as diretivas dos golpistas e encheram as ruas com as suas ânsias de emancipação. Começara o PREC.
A cada momento desses 580 dias, a massa pulsante do proletariado discutia ativamente a transição em curso, contestando as diretivas da burguesia sempre e como pôde. Os proletários, tanto na cidade como no campo, tomaram o controlo de fábricas, ocuparam casas, terras e herdades, libertaram presos políticos, formaram sindicatos e, para administrar os seus próprios assuntos, elegeram comissões de moradores, soldados, trabalhadores e camponeses. No entanto, o poder político nunca deixou as mãos dos opressores: A ausência de uma organização proletária, revolucionária e independente, impediu que o proletariado tomasse as rédeas do processo. Sem um partido próprio, ficou subordinado às ilusões democráticas da pequena burguesia e dos setores “progressistas” do exército que encobriam a natureza burguesa da hierarquia militar nas diversas fórmulas “Povo-MFA”. Este período acabou em 25 de Novembro de 1975. A burguesia tinha reacumulado as suas forças e, numa operação militar rápida e sem resistência séria, solidificou-se a ordem democratico-burguesa e ficou selado o fracasso do movimento revolucionário, revelou como a equação de poder tinha sido alterada e a classe revolucionária viu como, falhada a sua tarefa histórica, a burguesia manteve-se no poder e os proletários retornaram aos seus postos.
Passamos a viver, no que diz respeito a este país, naquilo que o 25 de abril e o programa do MFA quiseram trazer: uma ditadura do Capital na forma democrática do regime burguês. Nele, somos todos iguais perante a lei, regemos os “nossos” assuntos pelo voto, atribuído a todos por igual. Entre estes direitos iguais reina a força, a força dos que podem sempre comprar a força de trabalho de outros, e não nos que têm de vender a sua força de trabalho para sobreviver. É a forma mais madura de conciliação de classes, a forma da opressão por excelência: aquela que se disfarça. Nem por isso foi tudo em vão. Foi neste período que, pela luta, arrancamos importantes concessões, como o Serviço Nacional de Saúde, aumentos salariais, direito à greve e ao protesto e a alfabetização.
No entanto, olhamos em volta e vemos a máscara democrática da burguesia a ruir. A crise capitalista afunda-nos no abismo; as cedências económicas ao proletariado são revertidas a cada dia; alastra-se uma vaga reacionária e todos os direitos democrático-burgueses são colocados em causa, com os mais marginalizados na fila da frente para o carrasco; nos Estados Unidos, vemos até como até o voto de pessoas trans e mulheres consegue ser posto em causa; por todas as nações imperialistas forma-se uma massa cada vez mais expressiva de proletários imigrantes, a quem não chega os direitos políticos ou laborais, mas apenas a violência da burocracia, e o medo constante de deportação; as massas das ex-colónias, por muito que nominalmente independentes, continuam sob a alçada do imperialismo; na Palestina, centenas de milhares são mortos e milhões estão sobre o cativeiro do colonialismo sionista; e escalam ainda os conflitos inter-imperialistas, com a ameaça de uma guerra mundial generalizada entre diferentes facções da classe dominante. Com a república burguesa de Abril aprendemos, uma vez mais, que qualquer cedência burguesa, por muito grande que seja, por mais codificada que esteja, nunca é duradoura. Uma cedência, quando não é tida como parte do caminho para a revolução mas como um fim em si mesmo, leva à conformação da classe trabalhadora. Torna-se a trégua que põe termo à revolta, em vez de lhe dar força. E após essa trégua, com um proletariado cada vez mais conformado, com a ascensão das classes médias e com uma burguesia mais poderosa que nunca, toda a conquista é colocada em causa. Por isso, olhamos para os que desejam continuar abril e o mito do abrilismo e só nos deparamos com cânticos de derrota. Querer abril é querer o regime do capital, e querer o regime do capital sem a miséria que nos rodeia não passa de um engodo sem saída. Querer abril é querer uma gestão “mais humana” do capitalismo, mas não dá para separar o capitalismo das suas consequências. Querer continuar abril é querer trocar os nossos aliados mundo fora, o proletariado internacional, pela conciliação com a pequena-burguesia nacional. Os explorados e oprimidos, liderados sob a bandeira do partido do proletariado - revolucionário, internacionalista e comunista - desejarão muito mais do que mais um golpe de estado que os amordaçou no passado e cuja celebração os manterá amordaçados. Desejarão a revolução que não aconteceu, a revolução proletária. A revolução que arrancará o poder das mãos da burguesia e colocará na nossa classe as rédeas do futuro, esse assalto aos céus do qual o PREC é mera falsa memória, negativo fotográfico. Já nos dizia José Mário Branco: “Não cantes alegrias a fingir, se alguma dor existir a roer dentro da toca. Deixa a tristeza sair, pois só se aprende a sorrir com a verdade na boca.” Nós, que não nos revemos em nenhum dos actuais partidos, burgueses consciente ou inconscientemente, erguemos a voz para exclamar que o verdadeiro problema é o capitalismo que condena, só em Portugal, mais de 3 milhões à pobreza, com 70% dos trabalhadores a ganhar menos de mil euros e 3,4 milhões com salários até 870 euros; que nos condena ao colapso climático e destroi o planeta e seus recursos; que comete genocídios e caminha em direcção à guerra mundial; que acentua e perpetua e se baseia no machismo, queerfobia, xenofobia, racismo e em toda a opressão dos explorados.
No caminho para a revolução, para unificar e elevar as lutas parciais imediatasdos explorados e oprimidos, tanto políticas como económicas, em Portugal e internacionalmente, propomos as seguintes pautas:
- O direito à autodeterminação dos povos em todos os territórios ainda colonizados por todo o mundo, salientando o palestino, cuja luta contra o sionismo levanta o estandarte da luta anti-colonial.
- A retirada de todas as tropas portuguesas em nações oprimidas e o perdoar de toda a dívida desses países detida pela burguesia portuguesa;
- O combate à guerra pela sabotagem da indústria militar e o apoio à deserção, por uma luta que transforme a guerra inter-imperialista entre burgueses numa guerra civil entre os proletários e burgueses de todas as nações;
- A abrangência às massas imigrantes, particularmente o proletariado, de todos os direitos democratico-burgueses detidos pelas massas nacionais através da atribuição de cidadania a todos os residentes permanentes;
- O levantamento de todas as limitações legais e burocráticas à IVG, nomeadamente o tempo de gestação e a objeção de consciência;
- O levantamento de todas as limitações à autonomia corporal e à identidade sexual e de género de todas as pessoas desde nascença;
- A abolição da polícia e das forças armadas e a sua substituição por uma milícia popular necessariamente composta por uma maioria de trabalhadores;
- A libertação de todos os trabalhadores aprisionados por crimes contra a propriedade, como o roubo, e outros crimes menores.
- A criação de um estatuto de trabalho para pessoas prostituídas, permitindo-lhes o acesso às mesmas conquistas que a generalidade dos trabalhadores;
- A expropriação, sem direito a indemnização, de toda a propriedade dos proxenetas, e o seu uso para a atribuição de um subsídio especial a todas as pessoas prostituídas que o queiram deixar de ser;
- Revogar o código laboral, terminar com a precarização crescente, o trabalho extraordinário e o desrespeito pelas leis laborais, assim como aumentar os salários e diminuir a jornada de trabalho,
- Acabar com a desigualdade salarial baseada em género, nacionalidade, orientação sexual, raça, etc;
- Juntamente aos restantes explorados na UE, recusar o Pacto de Estabilidade e Crescimento, que degrada a segurança social e os salários, precariza o trabalho e corta as prestações sociais;
- Desmercantilizar a habitação, ou seja, a expropriação de todas as habitações que não sejam propriedade dos seus moradores, e a sua atribuição gratuita na base da necessidade.
- Garantir a existência de serviços de saúde públicos, gratuitos e de qualidade, com uma aposta na expansão da prestação de cuidados de saúde primários e preventivos, na literacia em saúde a uma escala populacional, no acompanhamento a segmentos vulneráveis da população e na expropriação dos sistemas privados de saúde.
- Aliados aos proletários noutros países da UE, lutar pelo fim dessa instituição lado a lado com a luta pela abolição dos estados burgueses e nacionais.
- Lutar contra a destruição do planeta como consequência da exploração dos recursos naturais pelo modo de produção capitalista para a valorização do capital.
- Acabar com a discriminação e policiamento de pessoas queer, particularmente trans, no acesso a cuidados de saúde e na burocracia estatal.
- Criar uma rede gratuita e acessível de creches, lavandarias e refeitórios que tenham em vista a socialização do trabalho reprodutivo e de cuidado quase na totalidade ao encargo das mulheres trabalhadoras.
A luta pelos interesses da classe trabalhadora só se dá com a sua organização, nos seus locais de trabalho e/ou nas organizações verdadeiramente revolucionárias - no Partido Comunista Internacional - ao contrário daqueles que levam a classe num caminho iludido de reformas e cumplicidade com os órgãos capitalistas, revestidos de palavreados revolucionários. É necessário a tomada de consciência e organização da classe trabalhadora para a luta contra o capitalismo e a sua ideologia em todas as esferas da vida, a criação de estruturas de solidariedade de classe e poder proletário, para podermos encostar os patrões e seus lacaios contra a parede e tomar aquilo que nos pertence! Esse partido não virá da nossa vontade individual nem de decretos vazios, construi-lo-emos! A luta de classes será o terreno da nossa ação e o fermento da nossa teoria, separando o trigo do joio e negando qualquer colaboração com o inimigo, a burguesia. O proletariado, armado com essa ferramenta partidária, não se ficará apenas pela luta económica, para a simples melhoria da sua vida, mas passará também à luta política contra o estado burguês, seja ele fascista ou democrático. O proletariado não se contentará com uma diminuição da sua exploração, mas avançará para colocar um fim a toda a exploração. Será, como se revela estar a ser, um processo demorado, heterogéneo no seu ritmo, por vezes quase invisível. Vivemos um período de maré baixa, com tarefas e necessidades específicas: cultivar o debate e a polémica, recuperar o programa comunista, afirmar a sua teoria revolucionária para os nossos tempos pela prática e entrelaçar o comunismo nas lutas que já existem. Mais que o ativismo desconectado ou a expansão desmedida e irrefletida das organizações, neste período há que resgatar o tempo e o espaço do comunismo a ferros do seio do capitalismo de onde teima em nascer. Construamos o poder proletário: assembleias de trabalhadores urbanos ou rurais, comissões de moradores, espaços de discussão, de lazer, de vivência. Prefiguremos o comunismo. Se formos bem sucedidos, montaremos os andaimes de um partido capaz de, na ascensão da luta de classes, se tornar no partido de massas. Só depois de percorrido este caminho poderemos ter um “PREC” - um período de fortes revoltas sociais, de intensificação da luta de classes - em que, desta vez, as comissões de trabalhadores, camponeses e soldados descartam os MFAs, descartam os oportunistas, descartam os que vacilam e nos traem. Teremos um PREC em que não nos contentaremos apenas com a tomada de alguns campos e de algumas fábricas, mas em que avancemos para tomada do poder pelo proletariado em Portugal e em toda a Terra. Um PREC que se torne numa revolução triunfante e não se limite a ser a expressão fatídica de mais uma crise revolucionária falhada. Um PREC que exclame:
NEM FASCISMO NEM DEMOCRACIA BURGUESA,
TODO O PODER AO PROLETARIADO