Denuncia Pública

Denúncia Pública III

Ana Loureiro

· 6 minutos de leitura
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NOTA: O texto que se segue faz parte do espaço "Denúncia pública", onde os seus artigos não são escritos pelo EDR, mas sim por pessoas que tenham enviado o seu testemunho e experiência dentro do PCP e/ou JCP.

A JCP ensinou-me tudo aquilo de que um comunista não é feito. O texto que se segue expõe a minha jornada ao longo de quase dois anos na juventude e experiências (pode-se dizer traumáticas) que foram surgindo. Ressalvo que fui militante entre os 15 e os 17 anos, tendo esse sido o meu primeiro encontro político com uma juventude e um partido de ideologia encabeçada, de puro revisionismo e de hierarquia estrutural.

No primeiro trimestre de 2022 tornei-me membro da JCP após já alguns meses de participação e colaboração no cumprimento de tarefas (nomeadamente, pintura de faixas e distribuições na escola Anselmo de Andrade, em Almada). Durante o primeiro ano fui notando, por entre os jovens e responsáveis que me rodeavam, uma certa hierarquia entre filhos de militantes do PCP e os “bastardos do Partido”, como eu.

Chegadas as jornadas de implantação e a Festa do Avante, não restaram dúvidas de que, de facto, tanto o tratamento como a distribuição de tarefas tinham em conta o galho no qual o militante se inseria. Os filhos do Partido, por exemplo, não recebiam críticas tão severas quando não cumpriam as tarefas nas jornadas de implantação, recebiam comida gratuita nos bastidores do palco 25 de abril (durante os três dias da Festa) e parece-me que, por assumirem altas posições, modificavam as tarefas e faziam proveito próprio da sua respetiva distribuição. Este assunto foi algo que expus a alguns dos camaradas que me eram mais próximos e houve uma concordância geral na questão: não somos todos iguais nem recebemos todos o mesmo tratamento.

Ainda em 2022, e após o Avante, o cancro da minha mãe agravou-se e a família dedicou-se a acompanhá-la nos seus últimos meses de vida. Contei a situação ao meu responsável na altura, Zé Pedro Faya, e pedi para parar temporariamente a militância, visto que já tinha depressão e estava a passar por mais um esgotamento emocional. O responsável respeitou o meu pedido, porém fui sempre recebendo propostas de militância, pedidos para atender este ou aquele evento do Partido e, no fundo, nunca respeitaram o meu espaço e o meu luto. Senti uma total incompreensão por parte das pessoas que se diziam muito humanas e na vanguarda da saúde mental. A minha mãe faleceu em janeiro de 2023 e, passado cerca de mês e meio, voltei à militância porque sentia que, se não fosse militante, não me importava com a condição humana e com a vida dos trabalhadores. Penso que devem ter ficado radiantes com o meu retorno e toda a situação pela qual passei foi gradualmente esquecida e interrompida por distribuições, ações de contacto, organização da juventude em Almada, reuniões, entre outros... Ao mesmo tempo, a minha saúde mental ia-se degradando cada vez mais.

Foi por volta dessa altura que, dados alguns acontecimentos, percebi que o meu tempo na JCP estava a chegar ao fim.

Durante uma reunião com o responsável João Carvalho, meia dúzia de camaradas imploraram para pintar um mural LGBT em nome da juventude: notávamos que a liberdade sexual e a liberdade de género eram cruciais para a nossa vida e queríamos que a nossa juventude e o nosso partido estivessem connosco nessa luta pela libertação do ser. Foi-nos rapidamente recusada a proposta, com alegações de que, se abraçássemos essa luta, também teríamos de abraçar muitas outras, como a luta antirracista, a luta das mulheres, etc... Entendi nesse momento que, para a JCP e o PCP, algumas lutas são mais importantes do que outras e, por isso, a abdicação é um meio de que o partido se serve conforme os seus interesses e não os dos trabalhadores e estudantes.

Também por essa altura, o militante Raúl Rodrigues aproximou-se de mim e tentou aliciar-me a “trabalhar para ele”, no Onlyfans. Na altura, eu era menor de idade e expressava a necessidade de encontrar emprego, mas não esperava esse tipo de proposta absurda e liberal vinda de um camarada. Cheguei a receber conteúdo íntimo por parte desse indivíduo nojento e, a cada vez que o relembrava de que tinha 17 anos, ele afirmava que se esquecia, “dada a minha maturidade”. Ora, não é um caso isolado, visto que na juventude e no partido existe esta cultura de “sacar gajas mais novas”, e a conversa machista e a objetificação da mulher (especialmente adolescentes), estão incutidas no dia-a-dia dos membros. Denunciei mais tarde este caso ao João Carvalho e ele prometeu-me que iria tratar do assunto. Não sei qual foi o procedimento, mas meses mais tarde, ao acompanhar a JCP pelas redes sociais, vejo-o em comícios, sentado ao lado da namorada e, aparentemente, impune.

Não me prolongo mais, deixo apenas uma nota de que o marxismo-leninismo é completamente conspurcado por aquela gente. O Partido, tão conservador e púdico (à partida, já uma força opressora) também contém pedófilos, perversos e predadores sexuais (vivi mais experiências do que aquela relativa ao Raúl Rodrigues, e conheço outros casos igualmente encobertos sobre esses temas). Em dois anos, tive zero formações, tudo o que aprendi de teoria foi sozinha e não há qualquer cultivo de consciência, tanto que basta comparecer a um convívio para que se ouçam disparates em alto e bom som. Nunca acertei com a cassete do Partido, com o seu vocabulário e o agitar de bandeirinhas. Recuso-me a levantar-me e a aplaudir o Paulo Raimundo, ao contrário de muitos que, por lá, idolatram os seus heróis favoritos e procuram parecer-se com eles sem absolutamente nenhuma base teórica e muito menos senso.

Se fosse para definir a atual JCP numa palavra, a mesma seria “seita”.

Ana Loureiro, JCP de Almada.

Ana Loureiro

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