NOTA: O texto que se segue faz parte do espaço "Denúncia pública", onde os seus artigos não são escritos pelo EDR, mas sim por pessoas que tenham enviado o seu testemunho e experiência dentro do PCP e/ou JCP.
Este texto explica o meu afastamento da JCP devido à transfobia e demais abusos estruturais que presenciei dentro da organização. Nele menciono os nomes das pessoas em questão, não para denegrir a sua imagem (que já está no lodo), mas sim para precaver militantes e futuros militantes de caírem no erro de se aproximarem das pessoas contra a sua existência no momento em que esta ponha em causa a linha do partido.
Contém também uma parte referente à evolução da minha participação política que está em volta do Coletivo Ruptura pelas acusações feitas no texto anterior à pessoa que denunciou os casos de transfobia.
Militei cerca de 2 anos na JCP. As minhas críticas começaram a ser mais sérias e estruturantes quando se instalou toda a polémica da transfobia na JCP, com os tweets do Miguel Tiago. Inicialmente aguardava uma posição rápida por parte da JCP, tínhamos tido o 12º congresso relativamente recentemente e aí tinha sido aprovada a luta contra as discriminações com base na orientação sexual e identidade de género. Nada foi feito. Com isto comecei a educar-me sobre o assunto lendo 2 livros, “Sexuality and Socialism” e “Politics of Everybody”, sobre o assunto para o poder criticar numa reunião, pedir um posicionamento e exigir mais debates ao encontro desta matéria quer no partido quer na JCP. Ao chegar aos ouvidos de alguns dirigentes, como é o caso da Violeta da JCP do Porto (agora em Leiria) ela foi falar com os restantes. A responsável na altura pelo ensino profissional, Maria Inês, falou comigo, ouviu o que tinha a dizer mas isto nunca partiu para o plano público nem para uma reunião quer pelo facto de eu ter começado o estágio e não poder ir quer pelo facto de a direção não se mostrar aberta. O clima não acalmou.
Uma rapariga, que era então da JCP do Porto, escreveu um texto no Manifesto74 puramente transfóbico e a destilar ódio atrás de ódio a pessoas trans e à "ideologia de género", chavão da extrema direita. Critiquei-o abertamente no Twitter, visto que o Manifesto74 não é um órgão do partido, o que teve bastante repercussão. Várias pessoas começaram a falar da situação e de como o Miguel Tiago o integra. Aqueles cuja oportunidade de criticar a nível interno foi impossibilitada por falta de espaços começaram a fazê-lo publicamente, eu inclusive.
Não tardou muito até ser trancado numa sala fechada, onde fui convidado a sair pelo dirigente Afonso Sabença, que subiu nos quadros e já integra o Partido. Critiquei a JCP por não se posicionar publicamente, critiquei o Manifesto74 (foi usado como argumento mesmo não sendo órgão do partido) e também elogiei a UJC, pois na altura a Sofia Manzano tinha dito, e bem, que um partido comunista não distribui constituições, mas sim manifestos. Assim percebi de maneira muito demagoga que este assunto não seria abordado, visto que o PCP é o partido dos trabalhadores, não "dos trans". Adicionaram que, se quisesse, havia partidos que melhor serviam os meus interesses, forma passiva-agressiva de me mandar ir para o BE.
Mais, comparou a transfobia ao alcoolismo, um vício e dependência. Ainda me contive, assumindo que o problema era desta direção e que, como ia mudar de cidade devido à universidade, as coisas lá iam ser diferentes. Tal não aconteceu.
A mesma organização que se dá bem com abusadores como Diogo "Morsa" Pinheiro (JCP Porto) e, anteriormente, Melo (ex-PNR que foi para a JCP, afastado definitivamente só depois de votar contra a eleição da direção regional do Porto) é a mesma que à mínima oportunidade expulsa ou afasta todas as pessoas à esquerda da sua linha política.
Estudo em Braga e integrei a JCP de Braga com forte presença no campus de Gualtar na UMinho até 2022. Neste período vi camaradas que eram muito críticos da linha da JCP como eu serem afastados pelo dirigente António Joaquim, mais conhecido por Tojo. O motivo? Terem discordado em organizar uma lista para a associação académica em 2 semanas, por ser impossível (a Uminho tem cerca de 20 mil alunos repartidos em duas cidades com fraca acessibilidade de transportes entre elas) e, como se atrasou tanto esta questão, valeria mais a pena lutar por cargos menores que se poderiam disputar com apoio de pessoal do ano anterior, num movimento unitário. Aprovou-se na reunião final que a JCP de Braga não ia encabeçar uma lista para a AE. Nesse ano, pela mão da Inês Castro (atualmente na JCP do Porto), contra o decidido em reunião (que foi apagada de todos os registos apesar de ter durado 6 horas, foram contactados camaradas pelas costas, eu inclusive), formaram uma lista às escondidas. Quando me pediram para integrar nela , respondi que não o faria, porque tínhamos de arrumar a nossa casa. Fui novamente afastado em Braga, tanto que passaram 3 meses sem me contactar. Mas não fui o único, cerca de 12 pessoas muito ativas da JCP também foram por discordarem com a linha do partido num espaço dito democrático. A gota de água foi quando, ao fim de 3 meses, me ligaram para ir a uma reunião no próprio dia da chamada. Ora eu, na altura, era estudante deslocado e vivia a 50 kms de Braga, o que implicaria 3 horas em transportes públicos para lá chegar.
Com isso, escrevi a minha carta de desfiliação, anexada abaixo, para que leiam do que vivi e do que aprendi a nível teórico e prático. Aprendi que essa era uma das centenas de contradições que assolam a JCP e o PCP ao ler alguns textos do FMR dos anos 60 como o “Luta pacífica e Luta armada no nosso movimento”.
As tentativas de superação deste beco sem saída que é a linha do PCP falharam várias vezes pela imaturidade teórica e prática que o movimento comunista em Portugal.
Assim, eu e mais alguns camaradas que entretanto conheci fomos analisando críticas, como as feitas por Francisco Martins Rodrigues e outras da esquerda comunista, referentes a questões acerca da organização do partido, levando à criação do Ruptura. Neste, propomos uma análise marxista não tendenciosa, que procurasse oferecer uma alternativa real, alternativa esta que está a ser construída, não dependente apenas de nós nem do panorama nacional.
Espero ter esclarecido o objetivo do Ruptura, no qual íntegro, enquanto coletivo que procura ser, no futuro, um partido que não se declara mas se forja na luta, apesar das calúnias e deturpações que enfrentou publicamente após a sua apresentação.
Verdade seja dita, o Ruptura enquanto coletivo não tem a sua análise bem exposta nem explicada a uma pessoa que queira saber da sua linha política. Nós estamos cientes disso e estamos a trabalhar num manifesto que acreditamos dar resposta a esta debilidade teórica.
Agora dizer, como muitas pessoas afetas à JCP e ao PCP dizem, que este veio para atacar a unidade dos comunistas é falacioso, até porque esta não existe, é fictícia e artificialmente construída, sendo esta confundida com a “unidade” de quem está sob controlo do PCP, ou seja, o partido e as suas frentes de massas descaradas.
Os ataques dirigidos ao Ruptura por parte do PCP (mencionados no texto anterior e que não vão parar) são uma prática comum do PCP, tendo em conta a sua história, que sempre espalhou desinformação face à linha política e ação de outras organizações, procurando em períodos revolucionários como o 25 de Abril e o PREC salvaguardar logo a sua posição no governo provisório, mesmo que isso implicasse sabotar greves e o proletariado, o que o partido fez.
O nosso foco é dirigido às bases descontentes, comunistas não organizados, pessoas ainda em processo de radicalização, etc., através das nossas tribunas públicas, comunicados e ações, na procura de um rompimento destas posições tão desgastadas e reformistas como a economia mista, o apoio às PMEs e demais questões de foco político social.
Queremos que estes percebam que essa não é, nem nunca foi, a posição dos comunistas, e que nem a JCP nem o PCP são os herdeiros imutáveis do comunismo, por muito que tenham tido o peso que têm na história do país. Leituras críticas a este beco sem saída que é o frentismo e o centrismo serão necessários, como outrora foram para nós, tendo eu já estado muito próximo da posição de defesa acrítica da JCP em que alguns leitores possivelmente se encontram. Com isto, o que não falta são tentativas de colocar o Ruptura na raiz de todo o mal, algo que não corresponde à realidade. A razão desta tentativa de colar o Ruptura a um lado mau, vilão e cruel é este estar munido não só da crítica necessária para desmontar o Cunhalismo, como a falsificação do marxismo que é, mas também por apontar para um horizonte ao qual o PCP nunca poderá pelo seu apelo e apego à pequena-burguesia: o da revolução. Surgimos num contexto de cansaço e desgaste político, no qual o comunismo cada vez mais se desfaz numa defesa ampla do estado social e do estado atual das coisas, nunca se propondo a superá-lo, tradição essa que não vamos manter.
Lutar pelo mal menor num período de colapso total é lutar para gerir a pobreza futura. Processos que estão a acontecer em outros países, como o Brasil em termos de influência cultural e a Espanha em termos de proximidade geográfica, posicionam o nosso coletivo no lado certo da história, o que não tem medo de apelar a que os comunistas se organizem não só a nível nacional mas também internacional, e que se unam, do lado que rompe com o reformismo em procura de uma alternativa revolucionária, do lado que se radicaliza cada vez mais face à ofensiva reacionária, do lado que tenta tornar o nosso movimento um movimento novamente real.
O caminho é longo, difícil e incerto, sendo a única certeza que os camaradas que dentro da JCP se levantarem contra estas situações encontraram a mesma repressão que eu com 19 anos encontrei, o que me deixou devastado mentalmente pelo esforço que dei, pelo corpo e suor que dei para organização, por todas as vezes que acordei às 6 da manhã para subir num comboio às 7 e fazer 30 kms para ir distribuir antes das minhas aulas começarem.
Sei que este processo doloroso é necessário para a construção do comunismo em Portugal, e é algo que apelo a todos que façam, de forma coletiva, para avançarmos a discussão comunista e a organização da nossa classe, o que implica enterrar o partido que almeja fazer uma gestão do capital pela esquerda, que ficará do lado burguês da história, o PCP e todos os restantes.
Espero também que com este texto consiga combater algumas das mentiras que são ditas em torno do Ruptura. Nunca pedi nem pedirei que concordem acriticamente com tudo o que dizemos, não é uma dinâmica que queremos replicada no nosso coletivo, mas que leiam e se informem em primeira mão e não pela mão de pessoas que têm cargos a manter nas demais organizações reformistas que ocupam.
A revolução, mesmo que distante, faz-se todos os dias.
Abaixo deixo a minha carta de desfiliação, enviada no dia 8 de março de 2023. A mesma não obteve resposta por parte da direção. Carta de desfiliação
Venho por este meio pedir a desfiliação da Juventude Comunista Portuguesa devido a problemas que surgiram e têm surgido nas organizações regionais das quais fiz parte. Juntei-me à JCP na altura das presidenciais, procurando militar numa organização comunista, seguindo e dando voz aos meus ideias comunistas. Participei com vontade nos mais variados momentos da organização, sempre com experiências positivas e enriquecedores, sempre com vista ao seguimento dos nossos ideais comuns, sempre com vista à sua implantação. A minha condição como militante sofreu, porém, um abalo forte com a questão do Miguel Tiago. Sempre tive algumas questões sobre o modo de operação da JCP e notei alguns problemas desde o início, nomeadamente a falta de informação sobre os cargos e a sua hierarquia, bem como, a falta de formação teórica dentro da organização. Todavia, nenhum destes fatores pôs em causa a minha desfiliação. O fator que principalmente me fez questionar o meu lugar na operação e considerar esta desfiliação foram os comentários transfóbicos por parte da pessoa de Miguel Tiago, que logo se alargaram a outras pessoas – por culpa da inação do Partido e a falta de ação por parte da JCP, quer para se demarcar destes comentários, quer para exercer pressão sobre o partido para que estes tipos de comentários parassem. Tendo em conta a Resolução Política do 12º Congresso da JCP, no ponto 2.6.2 - Discriminação em função da orientação e identidade sexual e combate aos preconceitos - demonstrei publicamente o meu desagrado para com os comentários feitos por Miguel Tiago, bem como pela inação já mencionada acima, dado que não existiam espaços para o debate acerca deste assunto, muito embora muitos militantes demonstrassem a necessidade e vontade para que se debatesse sobre este tema de forma a combater este tipo de preconceito dentro da organização e do partido (nesta altura ainda militava na OR do Porto). No seguimento de toda esta questão, fui convidado a ir ao CT da Boavista falar com o responsável, na altura, pela JCP do Porto. O mesmo levou-me para uma sala à parte onde, com muita subtileza nas suas palavras, tentou persuadir-me a abandonar a organização, colocou palavras na minha boca que eu não disse e tentou desmerecer toda a questão LGBT com a esfarrapada desculpa de que “a luta é a dos trabalhadores e não a gay”. Para além disso, procedeu a fazer uma comparação ridícula e digna de denuncia pública na qual compara a transfobia ao alcoolismo, desmerecendo uma questão de ódio, tratando-a como um fator desagradável ao invés de um problema sério a resolver. Depois deste acontecimento a minha participação na região do Porto diminuiu consideravelmente, fator também agravado com a minha saída do local, dada a minha entrada no ensino superior. Tentei, na altura, e com muito boa fé, assumir que este seria um problema regional e que sentiria menos na OR de Braga Quando troquei de região para a OR de Braga, encontrei um coletivo que logo nas primeiras reuniões apresentou boas ideias, em específico sobre a questão da associação de estudantes - um ponto crucial para o Ensino Superior. No entanto, não pude deixar de notar algum atrito dentro da organização: Desde logo com a questão da troca de responsável sem aviso de ninguém, o que foi visto com estranheza pela maior parte dos membros desta região. Esta situação culmina numa reunião que é considerada “inválida” pelo responsável, pelo simples motivo de se ter votado contra a formação de uma lista para a AA, com a devida justificação de que a lista seria anunciada em cima da hora e que não contaria com unitários que fizeram parte e ajudaram na lista do ano passado. Eu não pude estar presente nesta reunião, porém, fui avisado do que aconteceu na mesma e parti do princípio que não iriamos avançar com lista. Apesar disto, e pelas costas de muitos camaradas, eu e outros vistos como “uteis” fomos contactados para formar uma lista, lista esta não aprovada pelo coletivo. Como eu não me apaixonei por uma conceção metafísica de partido e acredito que o mesmo é constituído pelos seus militantes, fui contactando com os camaradas afastados, fazendo um esforço para tentar entender a situação. Fiquei desapontado e desiludido com o que me foi dito, porque estes camaradas não tinham feito nada de errado ou condenável, apenas discordaram de uma linha da JCP dentro do espaço apropriado, utilizando os meios corretos para isso e ainda assim foram afastados, o que põe em causa o vetor - pelos vistos apenas teoricamente – democrático desta organização. A par de toda esta situação chamaram uma camarada, amiga minha, para ter uma conversa com o responsável. Nessa conversa foram proferidas mentiras sobre mim: dizendo que já me tentaram contactar para falar sobre as críticas que tinha à organização - quando já não tinha nenhuma comunicação com nenhum responsável faz meses; dizendo que eu só critico por criticar e não aponto soluções - o que é mentira, eu sempre apontei situações imediatas quer a nível regional quer a nível nacional. Foram meses a fio sem uma reunião de coletivo. Quando finalmente a mesma foi finalmente marcada, só fui avisado na véspera da reunião. Hoje, dia 6 de março de 2023, deu-se recurso à mesma tática de má fé: Ligaram-me no mesmo dia da reunião, perguntando se eu iria comparecer. Quando estava a ser contactado estava a entrar no comboio para voltar para casa visto que sou aluno deslocado – obviamente era impossível para mim comparecer a algo para o qual fui informado tão em cima da hora -. Tendo em conta os fatores acima enunciados, justifico assim a minha vontade de não querer ser associado com uma organização que põem à frente coleguismos e deixa o comunismo para segundo plano, uma organização que não aceita a crítica e a vê como um ataque, uma organização que não consegue ter “a sua casa arrumada”, mas se pinta falsamente como a vanguarda da juventude uma organização que ignora e/ou nega a dialética e a sua extensão dentro da esfera partidária em prol de um falso sentido de unidade. Espero que este pedido seja atendido com a maior pressa possível. Miguel Fontes, JCP de Braga

Fontes
a revolução, mesmo que distante, faz-se todos os dias / ele/delu